O novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas

1. Chama a atenção o posicionamento enviesado em relação ao micofenolato,
medicamento considerado como opção terapêutica de primeira linha para o tratamento
da DPI e manifestação cutânea associada à ES e não recomendado no PCDT ora
proposto. Ratificando o emprego do micofenolato de mofetil no manejo da DPI na ES,
o Scleroderma Lung Study II foi um ensaio clínico randomizado duplo-cego que incluiu
142 pacientes com ES que receberam tratamento com micofenolato de mofetil (dose
alvo de 1500mg 2 vezes ao dia) por 2 anos, ou ciclofosfamida via oral (dose alvo de
2mg/kg/dia) por 12 meses seguido por 12 meses de placebo; os resultados mostraram
que ambos foram equiparáveis em termos de eficácia, com melhora significativa nos
parâmetros pré-definidos de função pulmonar, dispneia, imagem pulmonar e
acometimento cutâneo. No entanto, no grupo da ciclofosfamida, um maior número de
pacientes descontinuou prematuramente a medicação e apresentou falha no
tratamento, sendo também significativamente mais curto o tempo para interromper o
tratamento no braço da ciclofosfamida. Dessa forma, o estudo reforçou a eficácia de
ambas as medicações, ciclofosfamida e micofenolato de mofetil, no manejo da DPI na
ES, reforçando, no entanto, a preferência pelo micofenolato devido a sua melhor
segurança, com melhor tolerabilidade e menor toxicidade (6). Ressalta-se ainda o fato
do micofenolato não comprometer a fertilidade das pacientes nem apresentar risco de
toxicidade vesical, comparativamente à ciclofosfamida (7).
Ademais, a justificativa de que o uso de micofenolato (de sódio ou mofetila) no
tratamento das manifestações pulmonares da ES não consta dentre as indicações
aprovadas em bula pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil não
pode mais ser utilizada, já que em 21/03/2022 foi sancionada a Lei nº 14.313 que
autoriza o SUS a receitar e aplicar medicamentos com indicação de uso distinta da
aprovada pela Anvisa, desde que recomendadas pela CONITEC.
2. O PCDT ora sob consulta pública tem posicionamento também enviesado em relação
à azatioprina, tratamento não mais recomendado como de primeira linha para o
tratamento da DPI associada à ES (8), como sugerido na página 13, parágrafo 2, do
referido PCDT. Salientamos que a recomendação deste PCDT foi baseada apenas em
um estudo, com risco de viés alto, com um número pequeno de pacientes (60

pacientes), que mostrou que a azatioprina é inferior a ciclofosfamida, levando à queda
significativa da capacidade vital forçada (CVF) e capacidade de difusão de monóxido
de carbono em comparação a ciclofosfamida (9). Entendemos que o Brasil é um país
com recursos escassos e que a alocação racional e adequada dos mesmos é
fundamental. No entanto, a “não disponibilidade pelo SUS”, razão fundamentada
diversas vezes no novo PCDT para a não recomendação de medicamentos mais
eficazes como o micofenolato, e, por outro lado, a disponibilidade pelo SUS de
medicamentos como a azatioprina, não podem fundamentar a recomendação de um
determinado tratamento considerado atualmente com eficácia questionável, sem
graves prejuízos para os pacientes com acometimento pulmonar associado à ES. A
Comissão aqui representada entende que a azatioprina pode ser uma opção de
segunda linha, após o uso de outros medicamentos, mas não de primeira linha como
sugerido pelo PCDT em consulta pública.
3. Ainda, o novo PCDT da ES elenca quatro artigos científicos para responder à dúvida
clínica acerca do uso de rituximabe na ES, sustentado seus argumentos de refuta da
droga sobretudo no trabalho já datado de Daoussis et al (10). O documento ignora
evidências mais recentes demonstrando o benefício do uso de rituximabe nessa
doença, com melhora do espessamento cutâneo e pelo menos estabilização do
comprometimento visceral, especialmente da função pulmonar, que posicionam o
rituximabe hoje como terapia de resgate para os pacientes que não respondem
satisfatoriamente ao uso de micofenolato ou ciclofosfamida (11, 12). Além disso, os
resultados do estudo japonês DESIRES (13), ensaio clínico randomizado, duplo-cego,
de fase 3, que demonstrou a segurança e efetividade do rituximabe para o tratamento
das manifestações cutânea e pulmonar na ES, com melhora significativa no
espessamento cutâneo e na CVF, e levou à aprovação desse medicamento pela
agência reguladora japonesa, sequer foram discutidos apropriadamente com o devido
rigor e atenção na análise estatística.
4. Quanto ao nintedanibe, não são claras as justificativas para que seu uso não seja
preconizado no PCDT em questão. O medicamento está indicado para tratamento da
DPI associada à ES, conforme preconizado em bula, com uso aprovado pelas agências

reguladoras brasileira (Anvisa, em 2019), norte-americana (Food and Drug
Administration – FDA, em 2019), e europeia (European Medicines Agency – EMA, em
2020). O estudo pivotal SENCIS (14) mostrou benefício inequívoco na função pulmonar
dos pacientes esclerodérmicos em uso desta medicação, comparados a placebo,
resultados confirmados em publicações posteriores (15), sequer consideradas no novo
PCDT. Ainda, os efeitos adversos relatados, sobretudo diarreia, levaram à
descontinuação da droga em menos de 10% dos pacientes, o que demonstra a
segurança do medicamento (16).
5. Não foram consideradas as novas evidências em relação ao tocilizumabe, publicadas
em 2020 (17), que levaram à aprovação da droga para uso na ES pelas agências
reguladoras norte-americana (FDA) e europeia (EMA). Um estudo controlado,
randomizado, duplo-cego, de fase 3, incluiu 210 pacientes com ES, alocados para um
braço tratado com tocilizumabe e outro braço com placebo, acompanhados durante 48
meses. Os pacientes incluídos apresentavam ES de início recente, com envolvimento
cutâneo difuso, sinais de doença em atividade e aumento de provas de atividade
inflamatória. O estudo mostrou que, para esse perfil de pacientes, o tocilizumabe
preserva a função pulmonar com efeito significativamente melhor do que o placebo, em
que houve declínio progressivo da capacidade vital forçada (17).
6. Ainda, o transplante autólogo de células-tronco hematopoéticas tem sido indicado
em todo o mundo como tratamento de formas graves de ES e não foi mencionado no
PCDT. As indicações para transplante são o envolvimento de pele difuso com piora
progressiva, ou a presença de DPI com piora progressiva (18). Existem três estudos
controlados e randomizados, mostrando que o transplante é mais eficaz do que o
tratamento convencional com ciclofosfamida endovenosa para promover sobrevida de
longo prazo, sobrevida livre de progressão da doença e qualidade de vida (18, 19, 20).
Como resultados clínicos mais evidentes, observam-se melhora do espessamento
cutâneo e pelo menos estabilização do quadro pulmonar após o transplante. Em 2017,
a European League Against Rheumatism – EULAR (Sociedade Europeia de
Reumatologia), incluiu o transplante autólogo como opção terapêutica para formas
graves de ES, com nível de evidência IB e força de recomendação A (8).

Por fim, e não menos grave, o manejo da hipertensão arterial pulmonar,
manifestação considerada a segunda maior causa de óbitos em pacientes com ES, foi
excluída do novo PCDT. Há apenas uma nota, na página 11: “Em relação à hipertensão
arterial pulmonar (HAP), deve-se seguir as orientações de diagnóstico, tratamento e
monitoramento preconizados no respectivo PCDT do Ministério da Saúde”. Salientamos
que o Brasil é um país com dimensões continentais e que nem sempre o tratamento
multidisciplinar está disponível para esses pacientes. Essa Comissão entende que a não
incorporação do manejo da HAP no PCDT ora apresentado e a fragmentação do
tratamento pode trazer sérios prejuízos ao paciente com ES.
Dessa forma, vimos como imperativa a inclusão do micofenolato (de sódio ou
mofetila) como primeira opção de tratamento da DPI e acometimento cutâneo na ES, sob
pena de não ser ofertada aos pacientes a principal opção terapêutica para seu tratamento.
Além disso, achamos importante elencar a necessidade de incorporação de outras opções,
como rituximabe, tocilizumabe e nintedanibe, além da incorporação das recomendações
de tratamento da HAP neste PCDT.
Sem mais, estamos à disposição para eventuais esclarecimentos.
Ricardo Xavier
Presidente
Sociedade Brasileira de Reumatologia
Cristiane Kayser
Coordenadora da Comissão de Esclerose sistêmica
Sociedade Brasileira de Reumatologia

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